_____________________________
Carlos Baqueiro
Está claro para mim que a sala de aula é, realmente, um pequeno local da sociedade. Mas é ali aonde podem se iniciar grandes processos de mudança. Sinto que seja isto que estejam pretendendo nos dizer os autores dos textos do livro “Sala de Aula: Que Espaço é Esse ?”[1].
Mas vejo nessa visão algumas questões práticas e teóricas, ao mesmo tempo.
Até, talvez, meados da década de 80 os projetos de mudança social perpassavam pelas grandes instituições: teríamos que mudar os Partidos, as Igrejas, os Modos de Produção, o Estado, etc, se quiséssemos ter uma verdadeira transformação social. Alguns poucos, somente, iam de encontro a estas perspectivas.
Na área social estas perspectivas vêm mudando desde lá. Sociólogos, filósofos, historiadores, vêm mudando seus paradigmas, desconstruindo visões de mundo seculares, tentando entender o mundo de uma forma menos ambiciosa do que todos os positivistas e filhos dos positivistas que conhecemos tão bem. Ver um mundo mais próximo ao que realmente é o ser-humano. Um ser relativo, ao tempo e ao espaço em que vive. Um ser em construção e não um filho de Demiurgo, pronto e absoluto.
Michel Foucault, Paul Feyerabend, Wilhelm Reich, Pierre Clastres, e tantos outros, participaram desta busca. E hoje, conhecendo-os somos impelidos a entender o mundo como eles.
Mas um paradoxo ainda está vivendo em nosso redor. Enquanto tantas áreas do conhecimento humano se reciclam, a área de educação não consegue retirar os velhos obstáculos a sua frente. Há até uma piada se referindo a homens que fariam uma viagem do passado para o futuro, e o único profissional que não teria problemas de adaptação seria o professor.
É claro que houve aqueles que tentaram as mudanças. Ivan Illich[2], acreditando em um mundo sem escolas; Paulo Freire[3], desejando uma escola que não fosse legitimadora do poder constituído; A.S.Neill[4], construindo a Escola de Summerhill na Inglaterra, e acreditando que melhor seria educar um futuro carpinteiro feliz, do que um engenheiro neurótico.
Mas a maioria dos educadores, inclusive mestres e doutores, parecem se prender a amarras, a correntes, como escravos que não desejam fugir do engenho.
O livro “Sala de Aula...” tem um sabor de reaver grande parte da discussão que envolve academicismo versus simplicidade, com o intuito de rebuscar os problemas e questões observados acima. Através de uma “tribuna livre”, nos próprios termos da apresentação de Regis de Morais, se discute as transformações possíveis dentro daquele pequeno espaço público, onde se encontram diariamente professores e alunos.
Debate-se ali sobre os possíveis rituais dentro da sala de aula. O que eles têm de benéfico e maléfico para a aprendizagem. O que eles podem produzir ao serem compartilhados por alunos e professores. Mas o debate não se dá de forma intransigente. O próprio Regis de Morais nos conduz a acreditar que não podemos traduzir a vida em “isto ou aquilo”, mas “isto e aquilo”[5]. Não podemos sufocar a criatividade dentro da sala de aula, mesmo a pretexto do amor, da felicidade, ou da compaixão, e muito menos da competição, ou de uma verdade construída artificialmente, como o são todas as verdades[6].
Não podemos reduzir um espaço humano a um espaço simplificado tornando-o insustentável[7]. Não devemos nos esquecer, como observa um dos autores, que todas as vicissitudes humanas tem que ter lugar dentro da sala de aula. E, é ali, onde devem ser privilegiadas a autonomia e autodisciplina.
E assim, se também compreendemos que a sala de aula é um dos palcos privilegiados das intenções das classes dominantes quanto ao mascaramento das relações de exploração e dominação[8], podemos elaborar uma prática que além de desmascarar, se interponha contra aquelas relações. Ação esta que além de pedagógica se torna também política. E nesta ação se irá lançar toda teorização alternativa para a prática, e sabemos que isto é possível porque as relações em qualquer meio social não são homogêneas, e portanto a ideologia hegemônica sofre antagonismos, e é através destes, que as brechas da inovação podem ser abertas.
A mudança, a inovação, as alternativas, desejadas e praticadas por poucos, há séculos, são possíveis. As mentes deste final/início de século, como vemos em diversas publicações atuais, parecem estar mais abertas às transformações. E, crendo nelas, podemos lutar, afastando as soluções grandiosas e generalizadoras que não se estão em condições de orientar no sentido libertário, preferindo as soluções viáveis, que o local em que vivemos e atuamos exige.
E mesmo que todas as batalhas não sejam vencidas, nunca é demais relembrar Oscar Wilde: “Um mapa do mundo que não inclua a Utopia não merece nem ser olhado, pois deixa de fora o país no qual a Humanidade está sempre a desembarcar”[9].
-------------------------------------------------------------------------------- [1] MORAIS, Regis de (Org.). Sala de Aula: Que Espaço é Esse ?. Papirus. São Paulo. 2001.
[2] ILLICH, Ivan. Um Mundo Sin Escuelas. Editorial Nueva Imagen. Mexico. 1979.
[3] GADOTTI, Moacir. Convite a Leitura de Paulo Freire. Scipione. São Paulo. 1991.
[4] NEILL, A.S. Liberdade sem Medo. IBRASA. São Paulo. 1990.
[5] MORAIS, Pg 28.
[6] NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Nietzsche - Coleção Os Pensadores - Volume 1. Nova
Cultural. SP. 1987.
[7] NOVASKI, Augusto J.C. In MORAIS. Pg 11.
[8] SANFELICE, José Luis. In MORAIS. Pg 90.
[9] WILDE, Oscar. A Alma do Homem sob o Socialismo. Iniciativas Editoriais. Portugal.1975. Pg 35.