Com neologismos, texto sacrifica recepção em nome de poesia cênica
O ator Rodrigo Pavon em cena do espetáculo "Pinokio", em cartaz na sede da Cia. Club Noir CHRISTIANE RIERA
CRÍTICA DA FOLHA O diretor e dramaturgo Roberto Alvim tem sido celebrado como um dos autores mais inovadores e arrojados à frente do Club Noir, criado em parceria com a atriz Juliana Galdino.
Sua mais recente montagem, "Pinokio", inspirada em "Pinóquio", de Carlo Collodi (1826-1890), vem reiterar esses títulos.
Do original, há pouco sobre o boneco que fabrica histórias, cujo drama está em padecer na transição do estado puramente material para a dimensão espiritual.
O ganho de vida traz o imponderável, algo moralmente confuso e angustiante. Diferentemente do clássico, o espetáculo apresenta seres humanos com a mesma angústia de se encontrar em processo de mutação. Em via contrária, aqui o espírito inquieto sofre com suas fusões em matéria.
Alvim elimina naturalismo e narrativas para criar rascunhos do que podemos vir a ser: "Uma coisa é alguém coisa".
A batalha é travada com um texto cheio de neologismos e palavras deslocadas que servem para inquietar, não para explicar. Trama e conflito cedem lugar a ruídos e sussurros, que carregam o tema do hibridismo entre corpos e máquinas.
"Restos dele escoam pelos canos intestinos vísceras tubulações da casa."
No palco, atores imóveis estão sujeitos à iluminação que os transforma. Luz branca resulta em troncos sombreados. Focos isolados revelam rostos pasmados. Por último, um vermelho insistente parece mergulhá-los em impalpável perigo.
Personagens são vozes aprisionadas e manifestas em timbres distintos. Do ponderoso tom de Juliana Galdino ao melancólico de Rodrigo Pavon, cria-se uma escala de ressonância acústica variada, segundo as diversas profundidades em que se posicionam no palco.
Com isso, a sensação é de instabilidade no espaço.
"Pinokio" é poesia cênica radical. Propõe a combinação de som e imagem como uma experiência sinestésica, mesmo que sacrifique facilidade na recepção do texto.
Se o hermetismo é veículo para reproduzir a aflição de um nebuloso mundo em transição, também afasta o espectador de tal fruição, ao oferecer pouquíssimos fios em que se agarrar na travessia por esse labirinto.
No final, olhares perplexos do público. Alguns inconformados com a obscuridade da proposta. Aqueles que aceitaram o tormento em lidar com um universo desconhecido refizeram a trajetória de um Pinóquio: "Um eco e a vertigem. Perguntas?". PINOKIO QUANDO de quinta a sábado, às 21h; domingos, às 20h
ONDE Club Noir (r. Augusta, 331; tel. 0/xx/11/3255-8448)
QUANTO R$ 10
CLASSIFICAÇÃO não informada
AVALIAÇÃO ótimo
Fotos Lenise Pinheiro/Folhapress |
CRÍTICA DA FOLHA O diretor e dramaturgo Roberto Alvim tem sido celebrado como um dos autores mais inovadores e arrojados à frente do Club Noir, criado em parceria com a atriz Juliana Galdino.
Sua mais recente montagem, "Pinokio", inspirada em "Pinóquio", de Carlo Collodi (1826-1890), vem reiterar esses títulos.
Do original, há pouco sobre o boneco que fabrica histórias, cujo drama está em padecer na transição do estado puramente material para a dimensão espiritual.
O ganho de vida traz o imponderável, algo moralmente confuso e angustiante. Diferentemente do clássico, o espetáculo apresenta seres humanos com a mesma angústia de se encontrar em processo de mutação. Em via contrária, aqui o espírito inquieto sofre com suas fusões em matéria.
Alvim elimina naturalismo e narrativas para criar rascunhos do que podemos vir a ser: "Uma coisa é alguém coisa".
A batalha é travada com um texto cheio de neologismos e palavras deslocadas que servem para inquietar, não para explicar. Trama e conflito cedem lugar a ruídos e sussurros, que carregam o tema do hibridismo entre corpos e máquinas.
"Restos dele escoam pelos canos intestinos vísceras tubulações da casa."
No palco, atores imóveis estão sujeitos à iluminação que os transforma. Luz branca resulta em troncos sombreados. Focos isolados revelam rostos pasmados. Por último, um vermelho insistente parece mergulhá-los em impalpável perigo.
Personagens são vozes aprisionadas e manifestas em timbres distintos. Do ponderoso tom de Juliana Galdino ao melancólico de Rodrigo Pavon, cria-se uma escala de ressonância acústica variada, segundo as diversas profundidades em que se posicionam no palco.
Com isso, a sensação é de instabilidade no espaço.
"Pinokio" é poesia cênica radical. Propõe a combinação de som e imagem como uma experiência sinestésica, mesmo que sacrifique facilidade na recepção do texto.
Se o hermetismo é veículo para reproduzir a aflição de um nebuloso mundo em transição, também afasta o espectador de tal fruição, ao oferecer pouquíssimos fios em que se agarrar na travessia por esse labirinto.
No final, olhares perplexos do público. Alguns inconformados com a obscuridade da proposta. Aqueles que aceitaram o tormento em lidar com um universo desconhecido refizeram a trajetória de um Pinóquio: "Um eco e a vertigem. Perguntas?". PINOKIO QUANDO de quinta a sábado, às 21h; domingos, às 20h
ONDE Club Noir (r. Augusta, 331; tel. 0/xx/11/3255-8448)
QUANTO R$ 10
CLASSIFICAÇÃO não informada
AVALIAÇÃO ótimo