sexta-feira, 25 de março de 2011

Em "Pinokio", Alvim reitera inovação e estilo arrojado

Com neologismos, texto sacrifica recepção em nome de poesia cênica

Fotos Lenise Pinheiro/Folhapress

O ator Rodrigo Pavon em cena do espetáculo "Pinokio", em cartaz na sede da Cia. Club Noir

CHRISTIANE RIERA
CRÍTICA DA FOLHA

O diretor e dramaturgo Roberto Alvim tem sido celebrado como um dos autores mais inovadores e arrojados à frente do Club Noir, criado em parceria com a atriz Juliana Galdino.
Sua mais recente montagem, "Pinokio", inspirada em "Pinóquio", de Carlo Collodi (1826-1890), vem reiterar esses títulos.
Do original, há pouco sobre o boneco que fabrica histórias, cujo drama está em padecer na transição do estado puramente material para a dimensão espiritual.
O ganho de vida traz o imponderável, algo moralmente confuso e angustiante. Diferentemente do clássico, o espetáculo apresenta seres humanos com a mesma angústia de se encontrar em processo de mutação. Em via contrária, aqui o espírito inquieto sofre com suas fusões em matéria.
Alvim elimina naturalismo e narrativas para criar rascunhos do que podemos vir a ser: "Uma coisa é alguém coisa".
A batalha é travada com um texto cheio de neologismos e palavras deslocadas que servem para inquietar, não para explicar. Trama e conflito cedem lugar a ruídos e sussurros, que carregam o tema do hibridismo entre corpos e máquinas.
"Restos dele escoam pelos canos intestinos vísceras tubulações da casa."
No palco, atores imóveis estão sujeitos à iluminação que os transforma. Luz branca resulta em troncos sombreados. Focos isolados revelam rostos pasmados. Por último, um vermelho insistente parece mergulhá-los em impalpável perigo.
Personagens são vozes aprisionadas e manifestas em timbres distintos. Do ponderoso tom de Juliana Galdino ao melancólico de Rodrigo Pavon, cria-se uma escala de ressonância acústica variada, segundo as diversas profundidades em que se posicionam no palco.
Com isso, a sensação é de instabilidade no espaço.
"Pinokio" é poesia cênica radical. Propõe a combinação de som e imagem como uma experiência sinestésica, mesmo que sacrifique facilidade na recepção do texto.
Se o hermetismo é veículo para reproduzir a aflição de um nebuloso mundo em transição, também afasta o espectador de tal fruição, ao oferecer pouquíssimos fios em que se agarrar na travessia por esse labirinto.
No final, olhares perplexos do público. Alguns inconformados com a obscuridade da proposta. Aqueles que aceitaram o tormento em lidar com um universo desconhecido refizeram a trajetória de um Pinóquio: "Um eco e a vertigem. Perguntas?".

PINOKIO

QUANDO de quinta a sábado, às 21h; domingos, às 20h
ONDE Club Noir (r. Augusta, 331; tel. 0/xx/11/3255-8448)
QUANTO R$ 10
CLASSIFICAÇÃO não informada
AVALIAÇÃO ótimo

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Vídeo mostra PMs atirando em jovem desarmado no AM

Justiça decreta prisão preventiva de cabo e seis soldados que aparecem nas imagens

KÁTIA BRASIL
DE MANAUS

Policiais militares filmados na rua atirando à queima-roupa em um adolescente em Manaus (AM) tiveram a prisão preventiva decretada ontem pela Justiça.
As cenas foram veiculadas na terça pela TV A Crítica. As imagens foram gravadas em 17 de agosto do ano passado.
Na sequência de dois minutos, a gravação mostra um policial agredindo e ameaçando o adolescente, de 14 anos. Após um primeiro tiro, o jovem tenta escapar, mas outro policial atira novamente nele. Um terceiro tiro é disparado por outro policial. Apesar dos sucessivos disparos, ele não morreu.
A Justiça decretou as prisões de um cabo e seis soldados da PM após pedido da Corregedoria do Sistema de Segurança Pública.
Os acusados são o cabo Janderson Bezerra Magalhães e os soldados André Luiz Castilho, Wesley Henrique Ribeiro da Cunha, Rosivaldo de Souza Ferreira, Marcos Teixeira de Lima, Alexandre Souza Santos e Wilson Henrique Ribeiro da Cunha.
Na ocorrência registrada em agosto passado, os policiais dizem que foram recebidos a tiros. "Eles tentaram burlar a ocorrência dizendo que teria tido um confronto", afirmou o coronel Dan Câmara, comandante-geral da PM.
Ontem, o procurador João Bosco Sá Valente, coordenador Centro de Apoio Operacional de Combate ao Crime Organizado, incluiu o garoto e quatro familiares no programa de proteção a vítimas.
A reportagem não localizou os advogados dos policiais para comentar o caso.

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"Sou mãe de três filhos. Foi uma decepção saber que quem torturou meu caçula até a morte foi alguém que o povo paga do próprio bolso."

"Não passava por minha cabeça existir bandido usando farda"
DE SÃO PAULO

Filho de Elza Pinheiro dos Santos, o motoboy Eduardo Luís Pinheiro dos Santos, 30, foi torturado num quartel e morto por PMs em abril de 2010, segundo investigações. Leia depoimento dado ao repórter André Caramante:
"Minha dor hoje é maior. Me sinto com o coração mais despedaçado do que no primeiro dia. Porque só hoje vejo que ele não vai mais voltar.
Sou mãe de três filhos. Foi uma decepção saber que quem torturou meu caçula até a morte foi alguém que o povo paga do próprio bolso.
As coisas têm de mudar. Não podemos pagar por esse tipo de serviço. A população aprende a ter medo de bandido. Nunca passou pela minha cabeça existir bandido de farda. O Eduardo era pai de uma menina que está prestes a fazer três aninhos.
Após a morte do meu filho, recebi carta do comandante-geral da PM, o coronel Álvaro Batista Camilo. Vejo a carta como a posição de um chefe de família. Um chefe tem as suas responsabilidades. Mas não é isso o que ele espera dos seus subordinados. O comandante Camilo é um homem cristão. Essa carta trouxe para mim, de certa forma, um certo alívio. Como quem diz "nem tudo está perdido".
Apesar de minha tristeza ter aumentado, minha esperança não morreu. Confio em Deus e continuo acreditando nas autoridades. Penso que o crime não vai ficar impune.
O fato de todos os PMs estarem soltos é uma falha da Justiça. Quem cometeu o crime não podia estar solto.
Não sei quem foi exatamente que fez isso. Sei que foram 12. Quem realmente torturou meu filho eu não sei.
Espero que a Justiça me dê a resposta. E digo mais: eles estão perdoados. Esse é um exercício diário do meu coração. Não vou deixar meu coração ser contaminado com o sentimento de falta de perdão, de desejo de vingança.

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Relatório atribui a PMs 150 assassinatos

Polícia Civil aponta dois grupos de extermínio na capital paulista; acusados negam envolvimento nos crimes

Abuso de autoridade, vingança, tráfico, jogo ilegal e até "limpeza" são motivadores das mortes, diz documento

Apu Gomes-13.mai.2010/Folhapress

Elza dos Santos, mãe de moto boy morto por PMs da zona norte, chora durante ato de ONGs em maio de 2010, em São Paulo

ANDRÉ CARAMANTE
DE SÃO PAULO

Relatório da Polícia Civil paulista aponta grupos de extermínio formados por PMs como responsáveis pelo assassinato de 150 pessoas na capital entre 2006 e 2010.
Entre as vítimas, 61% não tinham antecedentes criminais. Outras 54 pessoas foram feridas em atentados em que PMs são suspeitos -69% sem passagem pela polícia.
O relatório foi produzido no ano passado e aponta motivações para os assassinatos: 20% por vingança; 13% por abuso de autoridade; 13% pelo que o relatório chama de "limpeza" (assassinato de viciados em drogas, por exemplo); 10% por cobranças ligadas ao tráfico e 5% por cobranças de jogo ilegal; 39% sem razão aparente.
Alguns PMs da lista estão presos. Eles negam os crimes. O Comando-Geral da corporação não se manifestou nem informou exatamente quantos homens já puniu.
A investigação, a cargo do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), aponta dois grupos de extermínio de PMs: um da zona norte, outro da zona leste.
Cerca de 50 PMs são suspeitos de formar e unir os grupos para assumir o controle do tráfico de drogas e explorar jogos de azar.
O grupo da zona norte é conhecido como "Matadores do 18", pois os acusados atuavam no 18º Batalhão. Esses PMs são suspeitos da morte, em 2008, do coronel José Hermínio Rodrigues, comandante da PM na área.
Pascoal dos Santos Lima e Lelces André Pires de Moraes são apontados como membros do grupo. Eles sempre negaram as acusações. Ontem, seus advogados não foram localizados pela Folha.
Preso em 2010, Valdez Gonçalves dos Santos, do 21º Batalhão, é considerado o chefe do grupo na zona leste.
Celso Machado Vendramini, advogado de Santos, diz que "ele não integra grupo de extermínio" e que "as acusações contra seu cliente não passam de pura maldade por parte do departamento de homicídios". Santos será julgado em maio deste ano.
Doze mortes atribuídas ao grupo de extermínio "Os Highlanders", que decapitava as vítimas, não estão no relatório. Esse terceiro grupo jogava os corpos em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, segundo investigações. O relatório da Polícia Civil computou só mortes na capital.

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