sábado, 30 de outubro de 2010

ANTONIO CICERO A questão do aborto " (...)Em última análise é, portanto, a ela que deve caber o direito de escolher entre abortar ou não."

ANTONIO CICERO 

A questão do aborto 2


Sem sentir, pensar ou ter um "si", o embrião não é uma pessoa, não teria um futuro que lhe pudesse ser "roubado"

NA SEMANA passada, João Pereira Coutinho escreveu em sua coluna ("A questão do aborto, revisitada", Ilustrada,19/10) um artigo em que apresentava uma veemente objeção à tese que eu havia antes defendido de que o aborto deve ser descriminalizado.
Lembro sucintamente que, tomando por base os escritos do filósofo francês Francis Kaplan, eu havia chamado a atenção para a distinção entre "estar vivo" e "ser um ser vivo". Um olho, na medida em que faculta a um ser humano enxergar, está vivo, mas não é um ser vivo pois não tem todas as funções necessárias para estar vivo. Ele precisa obter essas funções do ser vivo que é o ser humano. Assim ocorre com o embrião, que obtém do ser vivo que é a mãe todas as funções necessárias para estar vivo e para se desenvolver.
O mais importante, porém, é constatar que hoje se sabe que, pelo menos até o terceiro mês da concepção, o embrião não tem atividade cerebral. Dado que um ser humano sem atividade cerebral é, como lembra Kaplan, considerado clinicamente morto, sustento que não tem o menor sentido comparar o aborto -sobretudo se efetuado até o terceiro mês da concepção- com o assassinato de uma criança; e que é um absurdo a tese de que a vida da mãe não vale mais que a do embrião. Por isso, defendo que, pelo menos até o terceiro mês da concepção, a descriminalização do aborto deve ser incondicional.
Coutinho objeta que eu propositadamente excluo da minha argumentação "um pormenor fundamental: o que existe de "potencialidade" no embrião humano". Segundo ele, citando Stephen Schwarz, o aborto "significa a morte de um "ser vivo" em potência; significa, em linguagem prosaica, o roubo de um futuro pela autonomia do presente". Ora, para Coutinho, "uma sociedade será tão mais civilizada quanto maior for a proteção jurídica concedida a esse "ser vivo em potência'". E arremata: "Porque, como diria Henry Miller, escritor americano que está longe de ser um beato, "não conheço maior crime do que matar o que luta para nascer'".
Coutinho escreve bem e reconheço ser bonito esse arremate; no entanto, creio que exatamente o seu uso no presente contexto trai a falácia em que se baseia essa defesa da criminalização do aborto.
Dizer que o embrião "luta para nascer" é dizer que ele deseja intensamente nascer. Desse modo, ele é transformado numa pessoa.
A possibilidade puramente objetiva de que o feto nasça passa a ser concebida como o desejo do embrião, assim como a possibilidade de vir a ser um médico é o desejo do estudante de medicina. E, assim como impedir que o estudante se forme e exerça a medicina constituiria a maldade de frustrá-lo de seu maior sonho, assim também o aborto constituiria a maldade de frustrar o sonho de nascer -o direito de nascer- do pobre embrião.
Mas a verdade é que essa novela se desfaz quando nos lembramos de que, pelo menos nos três primeiros meses, quando ainda não tem sequer atividade cerebral, o embrião constitui uma unidade apenas para os outros, mas não para si.
Na verdade, nem sequer possui um "si". Sem sentir, pensar ou ter um "si", o embrião não chega a ser uma pessoa, não poderia ter projeto, desejo ou ambição: sem falar de um futuro que lhe pudesse ser "roubado". Ora, que sentido teria falar de "direitos" ou de "proteção jurídica" de um ser que nem sequer pensa, sente ou tem um "si"?
As possibilidades que o embrião encarna, portanto, não são possibilidades que ele mesmo contemple. Elas são, em primeiro lugar, possibilidades objetivas: no caso em questão, a possibilidade trivial de que o mundo adquira mais um habitante. Não vejo sentido, neste mundo superpopulado em que vivemos, em lutar para aumentar a população.
Em segundo lugar, porém, as possibilidades que o embrião encarna afetam diretamente algumas pessoas: em particular seus pais e, em primeiríssimo lugar, a mãe que o carrega no útero. Em última análise é, portanto, a ela que deve caber o direito de escolher entre abortar ou não. Não se pode, em nome de nenhuma ideologia -religiosa ou laica- roubá-la esse direito.
A mim parece que uma sociedade será tanto mais civilizada quanto maior for a proteção jurídica concedida a tais sujeitos reais -em oposição a sujeitos fictícios- de direitos.

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MANDACARU

Coletâneas resgatam produção poética perdida da juventude

DO ENVIADO A QUIXADÁ (CE)

Antes de publicar "O Quinze" (1930), Rachel de Queiroz já escrevia crônicas e poemas para jornais cearenses. 
Nunca, no entanto, se reconheceu poeta e renegou os versos até o fim da vida. Este período será resgatado agora com "Mandacaru" e "Serenata", ambos com lançamento previsto para 17/11. "Mandacaru" data de 1928. Tinha até mesmo um prefácio escrito por Rachel. 
A autora, no entanto, desistiu de editá-lo e confiou os originais à amiga Alba Frota. 
Frota morreu em 1967, num acidente aéreo. O material conservado por ela foi doado ao Instituto Moreira Salles (IMS) em 2006 e compõe o Fundo Rachel de Queiroz, onde os poemas foram descobertos. 
Todos os dez poemas de "Mandacaru" são acompanhados de fac-símiles dos manuscritos dos versos. 
A edição foi organizada por Elvia Bezerra, coordenadora de literatura do IMS. "Rachel sempre foi muito crítica e madura. Sabia que não tinha vocação para a poesia", diz Bezerra. 
Ela explica, no entanto, que o valor de "Mandacaru" não é meramente documental. "Os poemas já trazem temas que ela desenvolveria nos romances, como a seca e o êxodo rural. Sinto que, nos versos, ela tateava um estilo que encontraria expressão plena em "O Quinze"." 
Já a cópia dos poemas de "Serenata" (1925-30) foi descoberta pelo bibliófilo José Augusto Bezerra, que mantém o Memorial Rachel de Queiroz em Fortaleza. 
Ele cedeu o material para a editora Armazém da Cultural, que agora edita o livro. A organização foi feita pela escritora Ana Miranda. "São poemas líricos, de alguém que está descobrindo o mundo. Rachel já estabelece, ali, a sua identidade pessoal, a sua ideologia literária", diz.
(MRA) 

MANDACARU 

AUTORA Rachel de Queiroz 
EDITORA Instituto Moreira Salles 
QUANTO R$ 36 (160 págs.)

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Sem filhos, autora adotou sertanejos

Em Não me Deixes, no sertão do Ceará, a presença de Rachel de Queiroz ainda é marcante para os moradores

Vivência no interior do Estado moldou a obra da escritora, que tirou dali a inspiração para os romances que escreveu 

DO ENVIADO A QUIXADÁ (CE)

"Minha maternidade é inesgotável", gostava de dizer Rachel de Queiroz.
Por uma triste ironia, o sonho da maternidade ela nunca pôde realizar a contento: teve apenas uma filha, que morreu ainda bebê.
Mas é em termos maternais que costuma ser lembrada em Não me Deixes.
"Ela era uma mãe, se preocupava com todos", diz, logo de cara, Manuel Dias Tavares, 67.
Tavares chegou ali ainda garoto. O pai dele trabalhou com Daniel, pai de Rachel. A mãe foi cozinheira dos Queiroz. Na fazenda ele cresceu, trabalhou e formou família.
Hoje é ele quem cuida do lugar. Quando o tempo ajuda, dedica-se às plantações de milho e algodão e às criações de bode e ovelha.
Não tem sido fácil nos últimos meses.
"Neste ano a seca tá muito pior", diz, para em seguida lamentar também os seis meses sem chuva.
Seria exagero, porém, compará-lo a Chico Bento, personagem de "O Quinze" que sai do interior do Ceará fugindo da seca. Açudes foram construídos na região e um caminhão-pipa abastece regularmente as casas.
"Hoje é mais fácil de viver. Todos recebem aposentadoria. Os jovens podem estudar. Só os velhos vão ficando por aqui", diz ele.
Um deles é justamente o Véio, como é conhecido Pedro da Silva, 85 anos.
Vive ali desde 1959. Tinha fama de falador, mas a dificuldade de audição deixou-o mais calado. Porém, foi só gritar "Rachel" ao seu ouvido para ouvir uma resposta não de todo inesperada.
"Sinto muita falta dela. Era como uma mãe, entende?"
O Véio conta que Rachel o levava ao médico e comprava remédios para ele. Uma vez quis levá-lo para consultar um cardiologista no Rio, mas o Véio teve medo do avião.
Então ele fica em silêncio, parece que esqueceu nossa presença. Já nos levantávamos para ir embora quando concluiu: "É como se ela estivesse aqui na minha frente".

COZINHEIRA
Desde que Rachel morreu, em 2003, a casa de Não me Deixes passa a maior parte do tempo fechada.
A irmã caçula da autora, Maria Luíza, vive no Rio e pouco tem ido lá neste ano por causa da seca.
Quem nos abriu a casa foi Rosita Ferreira de Souza, 68, professora aposentada que foi amiga íntima de Rachel.
A casa fica debaixo de uma grande árvore, uma das raras sombras de Não me Deixes.
Por ali tem passado dezenas de estudantes curiosos por saber mais sobre a escritora centenária. Souza tem muito a dizer.
"Rachel viveu mais de 60 anos no Rio, mas aqui era o lugar onde ficava mais feliz. Chegava a ficar às vezes seis meses seguidos na fazenda."
Nestes períodos de isolamento no sertão nasceram algumas de suas histórias.
Atrás da casa de Não me Deixes, num pequeno quarto, ela escreveu parte de "Dora, Doralina" (1975) e "Memorial de Maria Moura" (1992), seu último romance.
"O sertão era tudo para a obra dela. A inspiração para escrever veio toda do povo e das histórias da região", diz Maria Luíza por telefone.
Mas nem o quarto de escrita, nem a biblioteca. O lugar predileto de Rachel na casa era a cozinha, explica Souza.
"Ela dizia que gostava mais de ser cozinheira do que de ser escritora."
Que essa mulher recatada tenha criado, de Conceição a Maria Moura, algumas das mais modernas personagens femininas da literatura brasileira é uma das contradições que até hoje encantam na obra de Rachel de Queiroz. 
(MARCO RODRIGO ALMEIDA)

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O sertão de Rachel

Cem anos após o nascimento da autora de "O Quinze", reportagem da Folha visita Não me Deixes , fazenda de Rachel de Queiroz no interior do Ceará 

Adriano Vizoni/Folhapress
Estação de trem perto do sítio de Rachel 

MARCO RODRIGO ALMEIDA
ENVIADO ESPECIAL A QUIXADÁ (CE) 

"E nem chove, heim, Mãe Nácia? Já chegou o fim do mês... Nem por você fazer tanta novena..."
Foi assim, com a personagem Conceição queixando-se da seca, que Rachel de Queiroz iniciou o romance "O Quinze", há 80 anos.
É difícil não lembrar da frase quando se chega a Não me Deixes, fazenda de Rachel (1910-2003) próxima à cidade de Quixadá, no interior do Ceará.
Folha visitou o lugar neste mês. Além dos 80 anos de publicação de "O Quinze", em 2010 também se celebra o centenário da escritora (nasceu em 17/11).
Lá, a queixa, desta vez real, era que há seis meses não chovia na região.
Como Conceição, a primeira das fortes figuras femininas que criaria ao longo da obra, Rachel também nasceu em Fortaleza, mas passou grande parte da vida no sertão cearense.
Tinha apenas 19 anos quando publicou "O Quinze", livro inspirado na seca histórica que abateu as fazendas de Quixadá em 1915. A prosa sóbria do romance tornou-se um marco do regionalismo dos anos de 1930.
Oitenta anos depois, ainda vem das páginas de "O Quinze" a melhor descrição que se pode fazer do sertão cearense para o visitante que pisa ali pela primeira vez.
"Verde, na monotonia cinzenta da paisagem, só algum juazeiro ainda escapo à devastação da rama; mas em geral as pobres árvores apareciam lamentáveis, mostrando os cotos dos galhos como membros amputados e a casca toda raspada em grandes zonas brancas."
Ainda criança, a autora ganhou do pai, Daniel, o pedaço de terra chamado de Não me Deixes.
A casa só seria construída em 1955. Está lá até hoje como a autora a deixou.
Parece até que o tempo, contrariando o poético nome do lugar, esqueceu-se daquele pedaço de terra e deixou-o isolado no meio do sertão.
Nas redondezas de Não me Deixes vivem hoje cerca de 20 pessoas. Quase todos são idosos, antigos trabalhadores da fazenda.
Na terra da escritora centenária, muitos são analfabetos ou apenas sabem ler e escrever o próprio nome.
Ali, um dos principais nomes da literatura brasileira é apenas a "mãe" Rachel.

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"...depois de todas as tempestades e naufrágios o que fica de mim e em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro"Caio fernando Abreu

"E tem o seguinte, meus senhores: não vamos enlouquecer, nem nos matar, nem desistir. Pelo contrario: vamos ficar ótimos e incomodar bastante ainda"

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