"... a ortologia dos saberes foi o que permitiu à Igreja economizar petróleo. Por que ao invés de sustentar indistintamente, a torto e à direito, a ortodoxia, a censura, a proibição de certos conteúdos de saber, e isto pelo fato da ortodoxia exigir frequentemente ações economicamente onerosas e politicamente perigosas (as fogueiras não só tinham um alto custo aos cofres da Igreja, como também seu ritual provocava, algumas vezes, a revolta popular toda vez que o condenado sustentava uma postura corajosa frente os inquisidores, Giordano Bruno por exemplo). Por tanto, a prática da ortodoxia continha muitos inconvenientes e provocava muitos atritos que minavam a própria autoridade da Igreja. Foi por esta razão que, ao longo dos anos, a prática da ortodoxia foi diminuindo paulatinamente até chegar à sua abolição formal na modernidade. Mas isto só foi possível graças a esta outra prática sistemática e constante de ortologização dos saberes que consiste em não mais censurar, portanto, mas estabelecer um controle minucioso sobre os saberes para verificar se eles estão conformes a lógica e ao método justo. Não mais proibir mas, uma vez normalizados e disciplinados, fazer o saber circular livremente, fazê-lo expressar-se, fazê-lo falar através da educação escolar e universitária. Percebam que se na ortodoxia a obediência imposta é exterior ao sujeito do conhecimento, na ortologia a obediência é exercida pelo próprio sujeito do conhecimento: sou eu mesmo que, na medida que penso e que falo, estabeleço eu mesmo minha obediência às regras da lógica e do método; eu sou e eu exerço a polícia de meu próprio conhecimento; em obediência à lógica, eu segrego, eu excluo, eu nego o que pode existir de ilógico e de absurdo em meu próprio pensamento. Com isso, se a ortodoxia foi a disciplinarização dos corpos, a ortologia é a disciplinarização e a normalização dos saberes. E no fundo, não foi o Iluminismo do século XVIII quem jogou a última cartada contra o dogmatismo: sua abolição já estava dada em germe desde o século XII pela ortologia dos saberes."
domingo, 9 de maio de 2010
PRECONCEITO E POLÍTICA NA CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA DO 13 DE MAIO
Maio Tempo TrágicoCENTRO DE CULTURA SOCIAL
Palestra
PRECONCEITO E POLÍTICA NA CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA DO 13 DE MAIO
15/05 - 15:00hs
Profa. Dra. Anna Gicelle Garcia Alaniz - Pesquisadora colaboradora do Centro de Memória Unicamp.
Apresentação.
Em maio de 1988 ocorreram no Brasil diversos congressos e colóquios visando um balanço historiográfico sobre os temas ligados ao estudo da escravidão, da transição para o trabalho livre, do preconceito e da memória sobre a resistência escrava. Era o momento florescente de uma nova matriz historiográfica, derivada dos estudos de Edward P. Thompson, representada pelos historiadores oriundos da Universidade Estadual de Campinas e pelos historiadores da “brecha camponesa”, inspirados nos trabalhos de Ciro Flammarion Cardoso. Estes trabalhos redimensionaram as discussões e ofereceram um panorama totalmente novo para quem quisesse aprofundar-se nos meandros da história da escravidão nas Américas. Nos anos que se seguiram, historiadores brasileiros, estadunidenses, africanos e caribenhos produziram algumas das mais importantes e instigantes obras sobre escravidão, tráfico, família escrava, abolicionismo, resistência e, também a discussão desses temas no contexto do colonialismo. No caso do Brasil, autores tradicionais como Gilberto Freyre, Caio Prado Jr., Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e Otávio Ianni sofreram uma profunda revisão crítica e foram confrontados com novas evidências documentais. Ao final da década de 1990 já não se tratava mais de um debate, mas de toda uma renovação da perspectiva historiográfica. Isto ocorreu porque, com o fim da ditadura militar, houve nas universidades brasileiras um afluxo de pesquisadores retornando da Europa e trazendo em suas bagagens as mais recentes novidades em termos de teoria e historiografia. Autores como Carlo Ginzburg, Michel Foucault, Edward P. Thompson, Eric J. Hobsbawm, Christopher Hill e Robert Darnton, antes conhecidos de uma minoria seleta, passaram a integrar as bibliografias dos cursos de graduação e nortear os debates. A aproximação metodológica entre história e antropologia produziu resultados e um novo olhar sobre a documentação primária. Entretanto, esse debate vibrante e a nova produção decorrente, no que se refere à escravidão e seus temas correlatos, não conseguiu superar a barreira acadêmica e alcançar a sociedade. Duas décadas de resultados mal são perceptíveis no material didático disponível, que continua reproduzindo e ecoando Gilberto Freyre ou optando por uma atitude pretensamente crítica, mas que divulga uma nova série de preconceitos. Discutir a produção de material didático e paradidático e seu uso político por editoras e governos seria exaustivo e recorrente. Por outro lado, a memória que a sociedade compartilha sobre escravidão, abolicionismo e o papel do negro em sua própria história, segue duas vertentes que se originam na política e não no conhecimento documental. Por um lado há os defensores da democracia racial que se recusam a ver e discutir os efeitos perniciosos da escravidão em nossa sociedade, ignorando o racismo e deslocando a discussão do seu eixo principal; por outro lado temos os defensores da identidade e da raça negra, que se recusam a ver qualquer outro meio de resistência que não o confronto e menosprezam o papel da população branca nos quadros abolicionistas, provocando uma ruptura social contraproducente e desnecessária. Recuperar a discussão acadêmica e torná-la inteligível ao cidadão comum deveria ser a prioridade do historiador, uma vez que o conhecimento só faz sentido se for partilhado. Abrir os arquivos e os resultados das pesquisas ao debate público pode ajudar a matizar as posições mais extremistas e permitir uma visão mais coerente do contexto histórico. Assim, os problemas sociais decorrentes do período poderão ser abordados de maneira mais inteligente, sensata e livre de controvérsias vazias. Centro de Cultura Social Rua Gal. Jardim nº 253 – sala 22 – Vila Buarque (metrô República)
MAIO TEMPO TRÁGICO
Oficina Libertária 2010
12/05, quarta-feira as 19h
Proudhon e Foucault, por uma “filosofia relacional”
(des)encontros anárquicos de literatura
Leia o livro e traga uma bebida
15/05, sábado as 20h “Lavoura Arcaica” de Raduan Nassar
Palestra
Preconceito e Política na Construção da Memória do 13 de Maio
Preconceito e Política na Construção da Memória do 13 de Maio
15/05 - 15:00
Profa. Dra. Anna Gicelle Garcia Alaniz
Profa. Dra. Anna Gicelle Garcia Alaniz
Centro de Cultura Social
Rua Gal. Jardim nº 253 – sala 22 – Vila Buarque (metrô República)
www.ccssp.org Rua Gal. Jardim nº 253 – sala 22 – Vila Buarque (metrô República)
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