quarta-feira, 9 de maio de 2012

O Culto da Elegância na África Contemporânea

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                                          (A SAPE e os sapeurs chegam ao Brasil)

Não se nasce sapeur, mas nos tornamos sapeur simplesmente porque temos um membro na família ou amigo que foi ou é sapeur, enfim, um contexto favorável. É como as várias línguas que falamos em nosso país: se absorve naturalmente sem saber por que. É também assim com o vestir: acabamos incorporando um estilo, a ele acrescentando nossa criatividade. Foi o que se passou comigo. Quando me tornei adolescente comecei a frequentar os lugares da noite e a usar as roupas dos meus amigos. Quando completei quinze anos ganhei de um tio, também sapeur e que estava morando em Paris, um par de sapatos J. M. Weston (modelo mocassin à pampilles). O Weston foi o meu reconhecimento oficial na SAPE, como “un mot de passe” (senha) e a partir daí nunca mais consegui deixar a SAPE. Quando resolvi vir estudar no Brasil, coloquei na mala o par de Weston, que está em perfeito estado, e me acompanhará por toda a vida”.

Foi depois da independência do Congo (Brazaaville e Kinshasa), por volta dos anos de 1960, que surgiu com ímpeto a chamada Société des Ambianceurs et de Personnes Elegantes, la SAPE (Sociedade de Ambientadores e de Pessoas Elegantes). Tal fenômeno teve suas origens no bairro de Bacongo, em Brazzaville, atraindo, na maioria das vezes, jovens de origem social modesta que se autodenominavam de sapeurs, isto é, aqueles para os quais o culto à elegância constituía um fim em si mesmo.

Para um sapeur, mais do que um estilo de vida, a elegância é uma “condição” de estar no mundo, ou seja, condição em que a moda excede suas funções estéticas de representação e distinção sociais para adquirir valores intrínsecos ao comportamento e à conduta sociais. Deste modo, para os adeptos da sapologie tais valores assumem outras dimensões na vida social, proporcionais ao grau de crença e veneração às grandes griffes ocidentais e ao consumo conspícuo de produtos de luxo importados (camisas, ternos, sapatos, meias, gravatas etc), assim como também o cuidado sempre zeloso com a aparência pessoal e atos performáticos, recriados a cada dia.

Daí porque, em língua portuguesa, ao invés de “ambientadores” (tradução ao pé da letra), talvez, fosse mais adequado chamá-los de “animadores” ou de “criadores”, atributo mais vivo e dinâmico, como é próprio do ato performático de um sapeur, partidário da “cultura do look” que é exibida publicamente e apreciada por todos. Com efeito, seguindo o corolário da sapologie, a roupa que se veste é o próprio tecido da pele e por isso não se pode imaginar um sapeur sem o “dress code” impecável e, sobretudo, aquilo que dá vida e estilo ao que é vestido, isto é, “un moyen de creér une ambiance” (um modo de criar uma atmosfera): princípio norteador que define um sapeur.

O ensaio fotográfico e o vídeo etnográfico da exposição são testemunhos da presença da SAPE nos Trópicos, mais precisamente no Nordeste brasileiro. Os protagonistas de cena são estudantes congoleses de Kinshasa, conveniados em diferentes universidades brasileiras. É o primeiro registro da SAPE no Brasil, já que o trajeto de viagem de um sapeur ─ fora da Republica Democrática do Congo (Kinshasa) e Congo Brazzaville ─ é Paris: o grande destino que o legitima.

Antonio Motta

Curador da exposição

 

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