29ª BIENAL DE ARTES OPINIÃO Pedido da OAB-SP é ato assustador de censura
ESPECIAL PARA A FOLHA Tem notícia que assusta. A seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil pedir por nota pública a exclusão de obras da próxima Bienal de São Paulo é uma delas.
O ato é assustador por várias razões. Primeiro, pelo caráter autoritário que revela.
Segundo, pelo entendimento equivocado que o motiva.
Por fim, porque, supostamente, é cometido em nome da defesa do Estado de Direito e das instituições democráticas. O presidente da seccional de São Paulo, Luiz Flávio Borges D'Urso, que assina a nota, perdeu uma boa oportunidade de omitir-se.
As obras que a OAB-SP sugere ocultar fazem parte da série "Inimigos", de Gil Vicente. São desenhos grandes (2 m por 1,5 m) feitos com carvão, nos quais o artista se retrata assassinando autoridades e figuras públicas. Entre as "vítimas", estão o presidente Lula, dois governadores de Pernambuco, a rainha da Inglaterra e o papa.
Segundo a OAB-SP, as obras demonstram "desprezo pelo poder instituído, incitando ao crime e à violência".
D'Urso argumenta que "uma obra de arte, embora livremente e sem limites expresse a criatividade do seu autor, deve ter determinados limites para sua exposição pública. Um deles é não fazer apologia ao crime, como estabelece a vedação inscrita no Código Penal Brasileiro".
Pela lógica de seu argumento, o presidente da OAB-SP considera que representar artisticamente um crime equivale a recomendar sua execução. No entanto, retratar um assassinato não significa fazer apologia ao crime.
É o espectador quem dará significado aos desenhos de Vicente. A obra de arte é apenas uma representação que adquire valor subjetivo para quem a observa. DIREITO DE DESPREZAR
A despeito do que critica a nota, é legítimo e legal que uma obra de arte represente o desprezo do autor pelo poder instituído. Em um Estado democrático, todos têm o direito de sentir desprezo por qualquer pessoa ou instituição. Desprezar não é crime e, mais importante, todos temos o direito de expressar o desprezo artisticamente.
A prevalecer a linha de raciocínio da nota, talvez se devesse proximamente proibir a exibição de artistas como Hélio Oiticica, que recomendava ao público: "Seja marginal, seja herói".
Mais valioso para o Estado de Direito do que uma cláusula do Código Penal -no meu entender, mal interpretada pelo presidente da OAB-SP- é o espírito da Constituição Federal. Mais importantes são as liberdades e os direitos individuais, que servem de base e fundamento para o Estado de Direito e as instituições democráticas que a OAB-SP pretende defender. A tentativa de controle social por meio da supressão de obras artísticas chama censura. Simples assim.
Caso os organizadores não desistam de exibir os trabalhos, a OAB-SP promete recorrer ao Ministério Público Estadual para pedir a retirada das obras e o indiciamento dos responsáveis por apologia ao crime. A pena prevista é de três a seis meses de detenção ou o pagamento de multa. É ao que se arriscarão os curadores e o presidente da Bienal se quiserem resguardar a integridade do trabalho de concepção e organização da mostra. A nota é autoritária e condescendente. Subestima a capacidade de discernimento do brasileiro. É legítimo perguntar até que ponto representa o entendimento jurídico e a sensibilidade política dos advogados paulistas.
Em qualquer hipótese, até o momento, o que parece atentar contra o Estado de Direito e as instituições democráticas não é a exibição das obras de Gil Vicente na Bienal, mas, sim, o teor da nota pública assinada por D'Urso. A OAB-SP errou e precisa admitir seu equívoco.
Nota autoritária fere integridade da curadoria e subestima o público
ALEXANDRE VIDAL PORTOESPECIAL PARA A FOLHA Tem notícia que assusta. A seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil pedir por nota pública a exclusão de obras da próxima Bienal de São Paulo é uma delas.
O ato é assustador por várias razões. Primeiro, pelo caráter autoritário que revela.
Segundo, pelo entendimento equivocado que o motiva.
Por fim, porque, supostamente, é cometido em nome da defesa do Estado de Direito e das instituições democráticas. O presidente da seccional de São Paulo, Luiz Flávio Borges D'Urso, que assina a nota, perdeu uma boa oportunidade de omitir-se.
As obras que a OAB-SP sugere ocultar fazem parte da série "Inimigos", de Gil Vicente. São desenhos grandes (2 m por 1,5 m) feitos com carvão, nos quais o artista se retrata assassinando autoridades e figuras públicas. Entre as "vítimas", estão o presidente Lula, dois governadores de Pernambuco, a rainha da Inglaterra e o papa.
Segundo a OAB-SP, as obras demonstram "desprezo pelo poder instituído, incitando ao crime e à violência".
D'Urso argumenta que "uma obra de arte, embora livremente e sem limites expresse a criatividade do seu autor, deve ter determinados limites para sua exposição pública. Um deles é não fazer apologia ao crime, como estabelece a vedação inscrita no Código Penal Brasileiro".
Pela lógica de seu argumento, o presidente da OAB-SP considera que representar artisticamente um crime equivale a recomendar sua execução. No entanto, retratar um assassinato não significa fazer apologia ao crime.
É o espectador quem dará significado aos desenhos de Vicente. A obra de arte é apenas uma representação que adquire valor subjetivo para quem a observa. DIREITO DE DESPREZAR
A despeito do que critica a nota, é legítimo e legal que uma obra de arte represente o desprezo do autor pelo poder instituído. Em um Estado democrático, todos têm o direito de sentir desprezo por qualquer pessoa ou instituição. Desprezar não é crime e, mais importante, todos temos o direito de expressar o desprezo artisticamente.
A prevalecer a linha de raciocínio da nota, talvez se devesse proximamente proibir a exibição de artistas como Hélio Oiticica, que recomendava ao público: "Seja marginal, seja herói".
Mais valioso para o Estado de Direito do que uma cláusula do Código Penal -no meu entender, mal interpretada pelo presidente da OAB-SP- é o espírito da Constituição Federal. Mais importantes são as liberdades e os direitos individuais, que servem de base e fundamento para o Estado de Direito e as instituições democráticas que a OAB-SP pretende defender. A tentativa de controle social por meio da supressão de obras artísticas chama censura. Simples assim.
Caso os organizadores não desistam de exibir os trabalhos, a OAB-SP promete recorrer ao Ministério Público Estadual para pedir a retirada das obras e o indiciamento dos responsáveis por apologia ao crime. A pena prevista é de três a seis meses de detenção ou o pagamento de multa. É ao que se arriscarão os curadores e o presidente da Bienal se quiserem resguardar a integridade do trabalho de concepção e organização da mostra. A nota é autoritária e condescendente. Subestima a capacidade de discernimento do brasileiro. É legítimo perguntar até que ponto representa o entendimento jurídico e a sensibilidade política dos advogados paulistas.
Em qualquer hipótese, até o momento, o que parece atentar contra o Estado de Direito e as instituições democráticas não é a exibição das obras de Gil Vicente na Bienal, mas, sim, o teor da nota pública assinada por D'Urso. A OAB-SP errou e precisa admitir seu equívoco.